janeiro 31, 2008

Ignorar Cabral? Por que razão?

Por: Wa-Zani

Fez no dia 20 de Janeiro, trinta e cinco anos, que o engenheiro agrónomo, político, nacionalista e intelectual revolucionário guineense e cabo-verdiano Amílcar Cabral foi assassinado, em Conacry, por companheiros seus de estrada, veteranos da guerrilha. Mataram-no, cobardemente, de madrugada, junto à sua casa e de sua esposa Ana Maria, ao não se deixar amarrar. Os seus algozes deixaram-se embalar por um “vira” colonial do governador da colónia da Guiné, António Spínola e Alpoim Calvão, este último comandante da operação “Mar Verde”, destinada a eliminar ou a capturar os dirigentes do PAIGC sedeados na Guiné-Conacry. Porém, testemunhos da época revelam, que Amílcar Cabral tinha consciência, que poderia ser traído pelos companheiros de luta e, algumas vezes, afirmara: “Se alguém me há-de fazer mal, é quem está aqui entre nós. Ninguém mais pode estragar o PAIGC. Só nós próprios”.
Escrevia o poeta Larbac (anagrama de Cabral): “Vem mamãe velha vem ouvir comigo/ O bater da chuva lá no seu portão/ É um bater de amigo/ Que vibra dentro do meu coração…”, um poema sonhado para os dez grãos de areia no Atlântico, sua outra pátria, já que nasceu em Bafatá, na Guiné-Bissau, a 12 de Setembro de 1924 e só com oito anos de idade foi com os pais para Cabo Verde. O lema lançado por Cabral “Dar a conhecer Cabo Verde aos cabo-verdianos” parece corresponder à divisa “Vamos descobrir Angola” dos Novos Intelectuais de Angola, liderados pelo poeta Viriato da Cruz.
Drástica e cobardemente Cabral foi assassinado com um tiro no fígado e depois, com uma rajada de metralhadora na cabeça. Assim morreu o poeta e revolucionário, que não se deixou amarrar e que, mesmo depois do primeiro tiro, manifestou o desejo de dialogar, como quem já estava instruído para o amarrar ou eliminar. Morria, fisicamente, Cabral, mas o seu maior poema de compromisso com a liberdade solta-se e imprime uma nova dinâmica à luta na Guiné-Bissau, até à independência deste país nas matas de Madina de Boé, em 24 de Setembro de 1973. Hoje, há quem chame a Amílcar Cabral, simplesmente, um utópico e ainda bem que o faz. Pois não é a similaridade com o país imaginário do chanceler inglês Tomás More, que está aqui em causa. Nem sequer a fantasmagoria julgada irrealizável por quem não tinha, sequer, naquele tempo, aprendido a sonhar a ser livre, quer porque não tinha ainda nascido ou não tinha idade para isso; quer porque, naquele tempo, era muito mais fácil e mais seguro viver ao sabor de uma corrente fatalista e com um discurso de profecia da desgraça. Para alguns, considerados até muito cultos e inteligentes, Cabo Verde não era África e o cabo-verdiano não era africano. Assim sendo, a utopia só poderia estar do lado de Amílcar Cabral, um poeta, um sonhador!
Ser utópico, que os haja muitos, a exemplo daqueles que, entre outros, sonharam inventar as máquinas a vapor, a electricidade, o telefone, a televisão, a primeira viagem espacial à Lua… O sonho de perfeição social julgado impossível de atingir, tal como a cidade perfeita e o governo ideal na obra de Thomas More, não é mais do que a emergência de uma corrente ideológica dos que, acertadamente, acreditam, que as sociedades são mutáveis e que, independentemente das diferentes correntes de pensamento, a dialéctica existe, desde a antiguidade clássica até aos dias de hoje.
Qualquer projecto de aperfeiçoamento político e social tem a sua base ideológica ao procurar estabelecer uma ordem, que ainda não existe. Qualquer ideólogo ou reformador social tem de se basear num determinado paradigma, que considere ideal e lhe sirva de estratégia de acção. O progresso da humanidade não se faz senão por referência a uma intenção procurando o sentido do melhor e um ideal qualquer. Nesta conformidade, a utopia é necessária à marcha da humanidade e ela existe mesmo naqueles, que afirmam não a aceitar e até a condenam [BIROU, A. (1978), Dicionário de Ciências Sociais, Publicações Dom Quixote, Lisboa, p.417].
A utopia que se fez necessária à Guiné-Bissau, a Cabo Verde e a África é património de poucos que, como Cabral, souberam pensar um futuro melhor para os seus povos: “Cá estou de novo e a marcha não pára, não pode parar, temos de caminhar firmemente até à vitória final (…). Afinal, a chacina feita pela polícia e civis portugueses teve este balanço: 24 mortos e 35 feridos, alguns muito graves. Chegaram a matar alguns africanos dentro de água, quando tentavam fugir à polícia e alcançar os barcos que estavam ancorados perto do cais de Pijiguiti (Bissau). Crime mais hediondo que pagarão um dia, porque o nosso Povo, nós todos, jurámos em silêncio vingar os nossos mártires, os primeiros sacrificados pela libertação da nossa Pátria. Foi uma lição e importa tirar daí as maiores vantagens para a luta”. [LARA, Lúcio (1999), Carta de Amílcar Cabral a Lúcio Lara (Lisboa?, 24?.09.1959), Documentos e comentários para a história do MPLA até Fev. 1961, Publicações Dom Quixote, Lisboa, p.161]. Aparentemente, para o Eng. Amílcar Cabral não seria mais cómodo, com o estatuto social que já possuía no tempo colonial, fazer como o avestruz? Mas, felizmente, para todos nós, africanos e até portugueses, não o fez.
Hoje, tanto a Guiné-Bissau como Cabo Verde tornaram-se países independentes, graças à utopia de Cabral, que em 1970, tal como Agostinho Neto e Marcelino dos Santos, são recebidos, em audiência privada, por Sua Santidade o Papa Paulo VI. Cabo Verde, hoje, com uma falta gritante de matérias-primas e uma secura de décadas é um país africano com uma posição privilegiada e invejável no Índice de Desenvolvimento Humano. Quem diria? Isso é ou não utopia face ao que Cabo Verde foi no tempo colonial? Se a trave-mestra para um melhor bem-estar dos cabo-verdianos, hoje, na sua própria terra, está no homem que primeiro pensou e lutou pela independência daquele país, então, por que ignorar Cabral?
Leio comentários de indignação de Iva Cabral, filha primogénita de Amílcar Cabral, “revoltada, cansada, de um ritual de todos os anos na mesma data, quando depois, o pai, herói, é esquecido nos meses restantes”. [JORNAL DE ANGOLA (20 de Janeiro de 2008), Internacional, p.2].
Todos os povos têm as suas referências histórico-identitárias, precisam delas e têm de aprender a ser solidários com as gerações passadas, como parte de uma estratégia de educação para o desenvolvimento, assente na defesa do património, na assunção da história em todas as suas facetas positivas e negativas, e na necessidade de solidariedade para com os antepassados. Procurar esquecer Cabral, para pôr quem no seu lugar? Aqueles contra os quais lutou Cabral e estão na origem do seu assassinato?
Não sendo eu cabo-verdiano, nem guineense, não conhecendo Iva Cabral, entendo, perfeitamente, a sua revolta e indignação e com ela estou solidário. Como afirma Alda do Espírito Santo, relevante figura das letras e da nação são-tomense, e uma das mulheres mais destacadas da chamada geração de Cabral: “Tivemos sonhos e acreditámos numa sociedade diferente, não precisamos de absolvição”. [Entrevista de Alda do Espírito Santo ao ÁFRICA 21 de Novembro 2007, p.6]

In, Jornal de Angola de 24 de Janeiro de 2008

1 comentário:

velu disse...

Um anónimo me deixou este comentário, que por alguma razão que não entendi, não consegui que, aprovando, saisse aqui, de forma que passo a coloca-lo.
O PERCURSO De DR HUGO JOSÉ AZANCOT DE MENEZES

Hugo de Menezes nasceu na cidade de São Tomé a 02 de fevereiro de 1928, filho do Dr Ayres Sacramento de Menezes.

Aos três anos de idade chegou a Angola onde fez o ensino primário.
Nos anos 40, fez o estudo secundário e superior em Lisboa, onde concluiu o curso de medicina pela faculdade de Lisboa.
Neste pais, participou na fundação e direcção de associações estudantis, como a casa dos estudantes do império juntamente com Mário Pinto de Andrade ,Jacob Azancot de Menezes, Manuel Pedro Azancot de Menezes, Marcelino dos Santos e outros.
Em janeiro de 1959 parte de Lisboa para Londres com objectivo de fazer uma especialidade, e contactar nacionalistas das colónias de expressão inglesa como Joshua Nkomo( então presidente da Zapu, e mais tarde vice-presidente do Zimbabué),George Houser ( director executivo do Américan Commitee on África),Alão Bashorun ( defensor de Naby Yola ,na Nigéria e bastonário da ordem dos advogados no mesmo pais9, Felix Moumié ( presidente da UPC, União das populações dos Camarões),Bem Barka (na altura secretário da UMT- União Marroquina do trabalho), e outros, os quais se tornou amigo e confidente das suas ideias revolucionárias.
Uns meses depois vai para Paris, onde se junta a nacionalistas da Fianfe ( políticos nacionalistas das ex. colónias Francesas ) como por exemplo Henry Lopez( actualmente embaixador do Congo em Paris),o então embaixador da Guiné-Conacry em Paris( Naby Yola).
A este último pediu para ir para Conacry, não só com objectivo de exercer a sua profissão de médico como também para prosseguir as actividades políticas iniciadas em lisboa.
Desta forma ,Hugo de Menezes chega ao já independente pais africano a 05-de agosto de 1959 por decisão do próprio presidente Sekou -Touré.
Em fevereiro de 1960 apresenta-se em Tunes na 2ª conferência dos povos africanos, como membro do MAC , com ele encontram-se Amilcar Cabral, Viriato da Cruz, Mario Pinto de Andrade , e outros.
Encontram-se igualmente presente o nacionalista Gilmore ,hoje Holden Roberto , com o qual a partir desta data iniciou correspondência e diálogo assíduos.
De regresso ao pais que o acolheu, Hugo utiliza da sua influência junto do presidente Sekou-touré a fim de permitir a entrada de alguns camaradas seus que então pudessem lançar o grito da liberdade.

Lúcio Lara e sua família foram os primeiros, seguindo-lhe Viriato da Cruz e esposa Maria Eugénia Cruz , Mário de Andrade , Amílcar Cabral e dr Eduardo Macedo dos Santos e esposa Maria Judith dos Santos e Maria da Conceição Boavida que em conjunto com a esposa do Dr Hugo José Azancot de Menezes a Maria de La Salette Guerra de Menezes criam o primeiro núcleo da OMA ( fundada a organização das mulheres angolanas ) sendo cinco as fundadoras da OMA ( Ruth Lara ,Maria de La Salete Guerra de Menezes ,Maria da Conceição Boavida ( esposa do Dr Américo Boavida), Maria Judith dos Santos (esposa de um dos fundadores do M.P.L.A Dr Eduardo dos Santos) ,Helena Trovoada (esposa de Miguel Trovoada antigo presidente de São Tomé e Príncipe).
A Maria De La Salette como militante participa em diversas actividades da OMA e em sua casa aloja a Diolinda Rodrigues de Almeida e Matias Rodrigues Miguéis .


Na residência de Hugo, noites e dias árduos ,passados em discussões e trabalho… nasce o MPLA ( movimento popular de libertação de Angola).
Desta forma é criado o 1º comité director do MPLA ,possuindo Menezes o cartão nº 6,sendo na realidade Membro fundador nº5 do MPLA .
De todos ,é o único que possui uma actividade remunerada, utilizando o seu rendimento e meio de transporte pessoal para que o movimento desse os seus primeiros passos.
Dr Hugo de Menezes e Dr Eduardo Macedo dos Santos fazem os primeiros contactos com os refugiados angolanos existentes no Congo de forma clandestina.

A 5 de agosto de 1961 parte com a família para o Congo Leopoldville ,aí forma com outros jovens médicos angolanos recém chegados o CVAAR ( centro voluntário de assistência aos Angolanos refugiados).

Participou na aquisição clandestina de armas de um paiol do governo congolês.
Em 1962 representa o MPLA em Accra(Ghana ) como Freedom Fighters e a esposa tornando-se locutora da rádio GHANA para emissões em língua portuguesa.

Em Accra , contando unicamente com os seus próprios meios, redigiu e editou o primeiro jornal do MPLA , Faúlha.

Em 1964 entrevistou Ernesto Che Guevara como repórter do mesmo jornal, na residência do embaixador de Cuba em Ghana , Armando Entralgo Gonzales.
Ainda em Accra, emprega-se na rádio Ghana juntamente com a sua esposa nas emissões de língua portuguesa onde fazem um trabalho excepcional. Enviam para todo mundo mensagens sobre atrocidades do colonialismo português ,e convida os angolanos a reagirem e lutarem pela sua liberdade. Estas emissões são ouvidas por todos cantos de Angola.

Em 1966´é criada a CLSTP (Comité de libertação de São Tomé e Príncipe ),sendo Hugo um dos fundadores.

Neste mesmo ano dá-se o golpe de estado, e Nkwme Nkruma é deposto. Nesta sequência ,Hugo de Menezes como representante dos interesses do MPLA em Accra ,exilou-se na embaixada de Cuba com ordem de Fidel Castro. Com o golpe de estado, as representações diplomáticas que praticavam uma política favorável a Nkwme Nkruma são obrigadas a abandonar Ghana .Nesta sequência , Hugo foge com a família para o Togo.
Em 1967 Dr Hugo José Azancot parte com esposa para a república popular do Congo - Dolisie onde ambos leccionam no Internato de 4 de Fevereiro e dão apoio aos guerrilheiros das bases em especial á Base Augusto Ngangula ,trabalhando paralelamente para o estado Congolês para poder custear as despesas familhares para que seu esposo tivesse uma disponibilidade total no M.P.L.A sem qualquer remuneração.

Em 1968,Agostinho Neto actual presidente do MPLA convida-o a regressar para o movimento no Congo Brazzaville como médico da segunda região militar: Dirige o SAM e dá assistência médica a todos os militantes que vivem a aquela zona. Acompanha os guerrilheiros nas suas bases ,no interior do território Angolano, onde é alcunhado “ CALA a BOCA” por atravessar essa zona considerada perigosa sempre em silêncio.

Hugo de Menezes colabora na abertura do primeiro estabelecimento de ensino primário e secundário em Dolisie ,onde ele e sua esposa dão aulas.

Saturado dos conflitos internos no MPLA ,aliado a difícil e prolongada vida de sobrevivência ,em 1972 parte para Brazzaville.

Em 1973,descontente com a situação no MPLA e a falta de democraticidade interna ,foi ,com os irmãos Mário e Joaquim Pinto de Andrade , Gentil Viana e outros ,signatários do « Manifesto dos 19», que daria lugar a revolta activa. Neste mesmo ano, participa no congresso de Lusaka pela revolta activa.
Em 1974 entra em Angola ,juntamente com Liceu Vieira Dias e Maria de Céu Carmo Reis ( Depois da chegada a Luanda a saída do aeroporto ,um grupo de pessoas organizadas apedrejou o Hugo de tal forma que foi necessário a intervenção do próprio Liceu Vieira Dias).

Em 1977 é convidado para o cargo de director do hospital Maria Pia onde exerce durante alguns anos .

Na década de 80 exerce o cargo de presidente da junta médica nacional ,dirige e elabora o primeiro simpósio nacional de remédios.

Em 1992 participa na formação do PRD ( partido renovador democrático).
Em 1997-1998 é diagnosticado cancro.

A 11 de Maio de 2000 morre Azancot de Menezes, figura mítica da historia Angolana.