novembro 30, 2006

A LUCIDEZ PERIGOSA


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que: que
faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.
Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.
Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector

novembro 27, 2006

RECORDANDO




Púrpura
era a cor da lua,
pálida,
errando a luz
da madrugada.
Ternos,
eram os braços
que me enlaçavam,
me devolvendo
a um ventre esquecido;
Santo,
era o nome de mim
pincelado em gritos
nas cores
de uma tela irreal.
Boémia era a vida
lavada no pranto
do andar trôpego
de um bêbado da cidade.
Valsa era o som
bebido a sós
entre o sax
e o chocalho
de um coração
abandonado.
Longa era a noite,
cravada de dor
nos olhos do poeta
do bordel da vida.


Vera de Deus - Fevereiro 98

CINEMA POBRE EM CABO VERDE 1


Sexta-feira, 24/11 – não fui, confesso.
Soube porém, que o “Chapéu do metafísico” foi projectado, uma vez mais!


Sábado, 25/11 – às sete, como de costume, lá fui.
Sabia à priori quais as projecções programadas e sabia que me iriam interessar.

1ª Projecção - “Cayo Hueso” de Omar Camilo, um documentário sobre Havana, que relata sucintamente (12 minutos), a história do bairro onde nasceu a rumba. Trata sobretudo a reconstrução do património histórico, pela própria comunidade. Muito interessante. Contudo, Omar já nos havia, de início introduzido um pouco no argumento, o que foi uma mais valia.
2ª Projecção – “Crisis”, documentário realizado por estudantes de cinema cubanos, que trata a construção de um filme documental, ou seja, a escolha do tema e a forma de abordagem e desenvolvimento do mesmo, tendo em conta questões politicas, ideológicas, económicas e sociais, com entrevistas a documentaristas de renome em Cuba.
Igualmente interessante.
3ª Projecção – “Cova da Moura – Portugal ou Cabo Verde?”
Coube a vez a Cabo Verde. Igualmente um documentário, da autoria de Paulo Cabral, que aborda a questão da identidade cultural dos habitantes de Cova da Moura, bairro com uma grande comunidade de cabo-verdianos em Portugal. A questão dos descendentes de primeira e segunda geração de cabo-verdianos, nascidos em Portugal, que nem conhecem Cabo Verde, porém sem a cidadania portuguesa, com todos os problemas que daí advêm, é demonstrada aqui, através de alguns testemunhos de jovens mães solteiras (outra questão retratada).
Muito interessante e actual. Gostei imenso.

Minha segunda experiência, foi frutífera, diria eu, sem sombras de dúvida.
Talvez hoje, me passem a incluir, ou pelo menos pensar nisso, no rol dos ricos de espirito.

CINEMA POBRE EM CABO VERDE



Quinta-feira, 23/11 – inicio das projecções inseridas no ciclo do “Cinema Pobre em Cabo Verde”, no CCP.

Às 19 Horas, lá estava eu, imbuída de grandes expectativas, mas consciente de ir encontrar, conhecer, um outro plano do cinema, que não o que nos inculcaram desde crianças.
A 1ª projecção em 8mm, que se intitula de “O chapéu do metafísico”, de Francisco Weil, foi um tremendo chapéu nos meus anseios. Do cimo de minha “leiguice” assumo: não gostei! Não entendi e, nem me esforcei muito para isso, diga-se de passagem. Tenho a certeza, ou pelo menos prefiro acreditar que sim, quis passar uma mensagem com as imagens captadas, mas de meu ponto de vista, não conseguiu. Pelo menos para a maioria do publico que o assistiu como eu e com quem tive a oportunidade de prosear no final.
Sequer nos deu uma dica antes, por forma a introduzir um fio condutor!
A única coisa que retive, foi um poema, da autoria de Marcus da Lama, poeta brasileiro, lido no início pelo autor do “Chapéu”, o qual face ao meu pedido, me foi gentilmente cedido, e faço questão de o transcrever:

Permitir-se

Um sol quase anémico
Alivia-me as costas
Ando por itinerários incomuns,
Paralelos que me cortam,
Ruas me visitam em muitos países,
Calçadas por mim vomitadas.
Nasço num beco gótico,
Durmo em bancos abandonados
De praças abandonadas,
Acordo em feiras periféricas,
Recito belos poemas
E todos pasmados, fogem.
Compro roupas velhas
E sinto o perfume da morte,
Faço sexo em ruas desabitadas
Em meio a todos,
Meu corpo reflecte a alma,
Doa-se ao mundo
Recito poemas e poemas…

A 2ª projecção, de nome “ A máscara de Lucifece”, foi introduzida por um pequeno discurso do autor, Ricardo Leite. Pensei que, por oposição ao primeiro, iríamos ser brindados com uma descodificação, por mais pequena que fosse, da mensagem que nos iria ser transmitida através das imagens. Quem dera fosse! Assiste-se a uma oratória rebuscada, meio confusa, onde as culturas árabe e africana são abordadas de forma superficial, e de mais um emaranhado de “hum’s” e “ah’s”. o filme seria muito complexo, era melhor vermos, etc.
Nós que o entendêssemos se quiséssemos, foi a sensação que me ficou.
Bem, não se diferenciou muito do primeiro, não obstante se rechear de mais movimento, mais argumento e mais personagens. Não vislumbrei a lógica da abordagem das culturas! Enfim! Fiquei aguardando pelo terceiro e último da noite.
A 3ª projecção, “Um poeta não se pega”, tratava-se de um documentário, ainda em construção, conforme explicou o autor, Francisco Weil, sobre Sebastião Alba, poeta português. Interessante, e bem mais desnecessitado de descodificação! Gostei! Honestamente!

Impressões: talvez até seja Cinema Pobre, mas decididamente, não é Cinema para o Pobre! Fiquei com a nítida sensação, que se trata de um círculo hermético de gente, que se agarra a seu mundo impenetrável, e que constrói teorias inacessíveis. Então, porquê esta mostra? Porquê não a descodificar, ou fornecer elementos que permitam essa descodificação? Sim, porque se é para irmos assistir, por assistir, sem necessitarmos perceber, não vale a pena!
Desconfio seriamente, que me vão incluir nos "pobres de espirito", já que este cinema é para os ricos de espirito e, como não gostei de algumas coisas.... meio passo!
“Espero sinceramente, que as próximas projecções tenham algo que incentive o publico a ir, senão, este projecto morrerá por aqui mesmo” – pensei, enquanto saía do CCP.

A seguir, ouve uma tertúlia sobre o ciclo, na Kasa Bela, mas não fui.

novembro 20, 2006

ACONTEÇO


Prevejo
Uma tempestade
De razões
Que as ideias fustigam
Em teorias inválidas.
Idealizo
Cada fio de tempo,
Que a terra clama,
E Deus abençoa.
Transpiro
Cada gota de essência
Que minha alma reclama.
Suavizo
A fúria do vento,
Que meus lábios explodem,
Com a timidez dos raios
Que meus olhos arriscam
E edifico
A harmonia perfeita
Que meus gritos reflectem


Vera de Deus - Março 2000

novembro 09, 2006

PARABÉNS SONDISANTIAGO

Caro Djinho,
nesta data tão importante para ti e para todos nós,
e na falta de um artigo meu,
queria dedicar-te este excerto do livro "Maktub" de Paulo Coelho.
Muitas Felicidades para o teu tão importante BLOG.
********************
Não procure ser coerente o tempo todo. Afinal,
São Paulo disse que “a sabedoria do mundo
é loucura diante de Deus”.
Ser coerente é usar a gravata combinando com
a meia. É ser obrigado a ter, amanhã, as mesmas
opiniões que tinha hoje. E o movimento
do mundo – onde fica?
Desde que você não prejudique ninguém, mude de
opinião de vez em quando, e caia em contradição
sem se envergonhar disso.
Você tem esse direito. Não importa o que os outros
pensem – porque eles vão pensar
de qualquer maneira.
Por isso, relaxe. Deixe o Universo se movimentar à
sua volta, descubra a alegria de ser uma surpresa para
você mesmo. “Deus escolheu as coisas loucas do
mundo para envergonhar os sábios”, diz São Paulo.


Paulo Coelho in “Maktub”

SAUDADE



Tenho saudade
da longevidade
de minha meninice,
da rotação
do pião,
que dançava
aos olhos vivos
de minha boneca
cor de ébano.
Do calção rasgado
no pulo do arame,
dos folhos brancos
de meu bibe cinza,
da mão quente
de minha avó,
das histórias de iran
de minha ama,
e até de cobras
entre os ramos
das dálias e lírios
e o tronco jocoso
da pitangueira.
Repasso
cá dentro,
cada minuto
sentada á sombra
da mangueira,
e recupero o gosto
de cada fruto
devoradode manhã!
Tenho saudade
de minha pequenez,
de minha inocência,
de minha credulidade,
de minha bondade...
daquilo que vivi,
e daquilo que quero viver...
Tenho saudade
sobretudo,
de mim !
Vera de Deus - 1999