dezembro 28, 2006

ATENTADOS PUBLICOS

Quem nunca pensou ou reflectiu, no que vou escrever, que levante o braço ou “atire a primeira pedra”!
Em pleno séc. XXI e, já nos finais de 2006, ainda somos vitimas, todos nós, de uma série de atentados: à moral e bons costumes, ao pudor, à inteligência, ao bom senso, à lógica, ao respeito, à dignidade, ao bolso, enfim… um rol interminável! Reflictamos sobre alguns, que para mim, são tão absurdos, que se tornam irreais!




O LIXO
Não é concebível a proliferação dessa matéria inorgânica (e algumas vezes orgânica mesmo), que abunda nesta capital.
É certo e sabido, que a malta não contribui muito, ou mesmo nada, mas os serviços municipais responsáveis por esta matéria, também permanecem aquém de qualquer expectativa!





Por exemplo, tenho quase a certeza, que somos o povo que mais “consome” sacos de plástico! Indício óbvio de subdesenvolvimento, mas okay, ainda é aceitável, que não tenhamos ainda tido o bom senso, de optar pela matéria reciclável, ou pelo simples papel! Até aí…tudo certo. Mas… deixar que esse produto se torne tão “natural” a ponto de ser encontrado a esvoaçar por todos os cantos desta nossa “menina do mar”, são outros quinhentos! Em dias de vento então, caramba, se nos distraímos, corremos o sério risco de levar com um deles, bem gordurento ou fedorento, bem no meio das fuças.


O mau hábito, fruto da falta de civismo, de deitar tudo o que não nos serve para mais nada, para o primeiro lugar que se nos apareça à frente, é deveras afrontador. Começando pelos bairros mais desfavorecidos (e por isso mesmo, mais desprovidos de condições habitacionais), que preferem atirar seu lixo para as ribeiras (que se entopem às primeiras gotas de água), ao invés de o colocar nos contentores (que por acaso até os há), passando pela classe média (detentora de um status quo de aparências), moradora em bairros mais “nobres”, que parece ter nojo de se chegar aos contentores que fedem e tresandam, preferindo depositar seus “dejectos”bem ao lado dos mesmos, à mão de semear dos cães e “grabatadoris di lixu”, àqueles que o atiram das janelas e saguões dos seus 2º, 3º e 4ºs andares, cientes que nenhuma testemunha possa denuncia-los, até chegar ao simples transeunte, que à falta de pequenos cestos de lixo pela cidade, deitam o papel ou a casca, ou mesmo a garrafa, para o chão, sem nenhum tipo de complexo ou vergonha, são todas cenas dignas da era Neandertal. Nunca, de um país que se pretende digno do interesse do mundo, dum país que se diz de desenvolvimento médio, nem muito menos de um país que se fez contemplar pelo MCA!
A malta precisa, urgentemente, de ser educada! Como, não sei! Mas decerto, há-de haver capacidades para pensarem no propósito e elaborarem um plano estratégico de urgência! Senão, a continuar desta maneira, entramos num verdadeiro Estado de Sítio!
Quanto aos serviços municipais, que deveriam garantir a qualidade de prestação de serviços em prol do meio ambiente, sobretudo através de uma colecta de lixo regular e eficiente, são um autêntico Deus nos acuda! Em dias que antecedem algum feriado então, a coisa fica preta e vira um pandemónio total: o feriado para eles começa sempre uns dois ou três dias antes, consoante a disposição de quem coordena. Parecem tomados de um chá de sumiço e total ataque de paralisia! E é ver os contentores a abarrotar, outros virados de ponta cabeça, com seus limítrofes todos “empanturrados” de toda a sorte de lixo. E, cada um que se aguente à bronca, afinal é feriado!
Isto é desenvolvimento? Isto é gestão? Isto é o QUÊ afinal de contas? Houvesse medidas punitivas e deixaríamos imediatamente de ver, restaurantes, instituições públicas e privadas relegando seu lixo à comunidade, deixando-o plantado bem no meio das vias públicas!
É o que digo….
(Continua...)

dezembro 23, 2006

MOTIVO

Pretender juntar-se
à procissão de pássaros
responder processos pela criação de anjos
meu amor por ti.
Meu amor por ti
reabre a inquisição.
Penetrar de súbito
casa de estranhos
esquecer a pele
nos vidros do muro
meu amor por ti.
Antonio Mariano Lima

O VALOR DAS COISAS


Aqui na praça, todo o mundo reclama da falta de iniciativas culturais, da inexistência de eventos atractivos, enfim….
Porém, quando têm um leque de eventos de qualidade, à mão de escolher e participar, ninguém aparece, tirando aqueles que realmente se interessam realmente pela cultura, pela arte (que são poucos, diga-se de passagem!). é triste, francamente triste! Só nos últimos dias, para não falar do resto do tempo todo, o facto se consumou de forma gritante!
Esteve cá, na semana passada, uma grande pianista brasileira, Moema Craveiro, que deu um concerto no Centro Cultural Português… cadê a classe musical ao menos? Uns tantos quantos, ou seja, os mesmos de sempre que demonstram seu interesse de forma absoluta! Os outros, nem cheiro!
No dia seguinte, a mesma pianista, promoveu uma “oficina” para os músicos, no mesmo espaço. Apesar de o convite ter sido uma vez mais reiterado, no dia anterior durante o concerto, o quórum reduziu-se ainda mais! Porque será?
Um grande saxofonista e flautista francês, se apresentou no Tabanka Mar. Sala cheia? Ná! Quem dera!
Kady deu um concerto ontem, no Auditório…. Sala cheia de espaços vazios… porque será?
A exposição de fotografia de Omar Camilo, patente no novo espaço do CCF… lá continua, mas nem mesmo no primeiro dia, houve muita gente a visitar!
A reitoria da Universidade de Cabo Verde promoveu ontem também, um concerto de Natal, no seu Auditório. Cadê todo o mundo? O natal começou mais cedo? No mesmo espaço, está patente uma exposição espectacular de fotografia…. Mas parece que a malta não parecia muito as exposições!
Enfim….
Não consigo entender, nem explicar!
Será deficiência na promoção dos eventos? Será falta de interesse? Falta de dinheiro não será, porque a maioria dos eventos que referi, estavam abertos ao público, ou seja, de graça!
Por falar nesta questão, há uma coisa que me irrita solenemente! A malta está muito mal habituada! Sempre que se fazem eventos, onde quer que seja, que se tenha de pagar a entrada, por mínimo que seja o valor, há uma grande resistência. Ninguém quer pagar para assistir, e outros há que ainda “mandam vir”, como se houvessem participado nos custos da realização! Não pode ser gente! Lá fora, todo o evento cultural é pago! Sim, porque há custos! E, normalmente, as receitas da bilheteira, não dão nem para uma décima parte de compensação pelos custos dispendidos!
Eu sei do que estou a falar! Há muito que trabalho nesta área! Mas enfim…
Muito há por dizer nesta matéria, mas não quero correr o risco de me tornar repetitiva.
Termino minhas lucubrações, com esta: na Revista do Jornal A Semana, fez-se um apanhado dos trabalhos realizados em 2006, no campo da música. Fez-se inclusive, referência ao trabalho de Don Kikas! Mas de “Fragmentos” nem uma palavra. Que desilusão! Posso até entender, que a musica de “Fragmentos” não seja apreciada nos mesmos moldes que todas as outras que são tão apreciadas! Nem é a intenção! Mas, depois do espaço que o Jornal deu, aquando de sua chegada ao mercado, não seria de esperar a total ignorância dada, no tratamento dos trabalhos de 2006! Ainda bem, que as pessoas já não se deixam guiar, e começam a ter suas próprias opções, suas próprias convicções.
Obrigada a todos, da parte que me toca, a quem “Fragmentos” transmite qualquer coisa! Isso é o bastante.

FRAGMENTOS - O CONCERTO NO CCF

Posso até ser suspeita, mas não posso me deixar levar por essa prorrogativa, para ocultar meu sentido crítico, principalmente quando se trata do trabalho de Ricardo de Deus, meu marido. E, neste caso concreto, estou a falar de “Fragmentos”, seu primeiro trabalho a solo, em plena fase de lançamento no mercado.
Quarta-feira passada, “Fragmentos”, foi apresentado, uma vez mais ao público praiense, no centro Cultural Francês, com uma formação soberba e, o resultado foi um concerto absolutamente extraordinário. Mirocas, musico cabo-verdiano (percussionista) que integra a banda da nossa querida Cesária, e Djinho Barbosa, juntaram-se a Kizó e Stephan para homenagear Fragmentos. Tete Alhinho, emprestou sua voz melodiosa, para a interpretação de “Morna Brasileira”, uma das faixas do disco, e para “Eskutan es Morna” de seu próprio repertório.
O público aderiu, enchendo o espaço lúdico do CCF, de energia positiva, contribuindo para uma conspiração a favor da arte.
Eu, vibrei uma vez mais! Parecia que aquela formação tocara desde sempre em conjunto, tal era a harmonia. Por isso, e por tudo o mais, só tenho a agradecer a todos os que nos honraram com sua presença e aos músicos que dedicaram todo o seu amor pela musica neste evento. 2006 termina assim, de modo majestoso para nós.


dezembro 19, 2006

FELIZ NATAL


Multiplicar Amor
Que nossas mãos possam ser portadoras de paz..
De afagos...
De carinho...
Que escorra delas os mais límpidos sentimentos..
de bálsamos..
de alívio..
de força..
de luz...
Que possam ser espraiados na terra árida..
fazendo germinar o amor entre as pessoas..
Multiplicando cada melhor essência de nós..
Fazendo-nos fortes ao meio à tempestade..
Deixando-nos ver o sol que nasce..
Que rompe a noite..
Que se faz dia..
Que se faz belo..
Que se faz vida!
Que se chama amor...
Feliz Natal
(Jane Lagares)

dezembro 14, 2006

O CAÇADOR DE PIPAS



Estou a terminar de ler este livro…. Mesmo nas ultimas paginas! E confesso que lamento esse término! Como gostei de lê-lo! como diz um amigo meu, "o bom livro é aquele que me agrada", e este é um bom livro. Recomendo sem sombras de dúvidas!
Francamente emocionante e envolvente, deixando-nos presos a suas páginas desde o inicio.
Livro de estreia de Khaled Hosseini, natural de Cabul, Afeganistão e, considerado o livro do ano, “O Caçador de Pipas é uma narrativa insólita e eloquente, sobre a frágil relação entre pais e filhos, entre os seres humanos e seus deuses, entre os homens e sua pátria. Uma história de amizade e traição, que nos leva dos últimos dias da monarquia do Afeganistão às atrocidades de hoje.”
Grande sucesso da literatura mundial, aclamado pela crítica e pelo público, “o Caçador de Pipas” teve seus direitos de edição vendidos para 29 países e estará em breve nas telas de cinema do mundo todo.

Isabel Allende, disse a propósito: “Esta é uma daquelas histórias inesquecíveis, que permanecem na nossa memória por anos a fio. Todos os grandes temas da literatura e da vida são o material com que é tecido este romance extraordinário: amor, honra, culpa, medo, redenção.”

Aconselho a todos. Tem a haver com tudo o que alguma vez já sentimos ou pensamos. É uma grande lição e ao mesmo tempo uma grande reflexão.

Vera de Deus
13 de Dezembro 2006

dezembro 13, 2006

O CAOS NOSSO DE CADA DIA


"Prestes a deflagrar o que pretende seja um sistema municipal de excelência, Filú terá que conciliar a busca da modernização com a superação de alguns atrasos estruturais da Praia (e de Santiago) que beiram o descaso e o escândalo. Uma realidade incompatível com o século XXI, e que não cabe numa capital que se quer Paixão Atlântica."
Filinto Silva, in www.albatrozberdiano.blogspot.com


CIVISMO JÁ!


A CONDUÇÃO

Me pergunto…. “será culpa das escolas de condução, ou é mesmo o pessoal que está destituído de educação? Aquela educação que Carlos Gonçalves tanto se cansa de reiterar em seus programas radiofónicos!”
Conduzir na cidade da Praia, “menina do mar” torna-se cada dia que passa, um autêntico acto de CORAGEM!
Se não é o pisca-pisca que é totalmente desconhecido, são as ultrapassagens pelo lado errado, as manobras de inversão de marcha à “faroeste”, a total e completa ignorância pelos sinais de trânsito, enfim, um sem número de imprudências próprias de uma Babilónia! Temos de conduzir e apelar aos Deuses e sobretudo ao nosso 10º sentido: o da adivinhação, para evitarmos males maiores! Para quem não o tem, um conselho amigo: não conduza (na Praia, pelo menos)!
Dá-me a sensação que, as cartas de condução são ganhas em algum prémio de pacote, ou embalagem de chicletes, pois não consigo acreditar que se tenha frequentado uma Escola! Não é possível!
Depois da “brilhante” ideia da CMP de colocar dois sinais às entradas da subida da Achada de Santo António, devido à morosidade da obra (que mais parece a espada de Afonso Henriques), já se registaram alguns acidentes! E porquê? Falta de educação, pura e simples! Se está o sinal proibido para descer ou para subir, dependendo das horas do dia, como é que é possível, alguém que está cumprindo à risca o sinal, dar de caras com outro veículo em sentido contrário? E, normalmente, os violadores, são sempre os mesmos: táxis!
Sendo esse meio de transporte, público, carregando quase sempre vidas outras que não as do motorista tresloucado, qual outra razão para a transgressão, que não a falta de educação?
Todas as épocas festivas são recheadas de “operações” stop e outras do género,,,, mas porquê que não se faz isto durante o ano, sabendo que, as transgressões são efectuadas sempre? E porque se perde tempo em fazer rusgas a viaturas particulares, que normalmente circulam na boa e com tudo em dia? Hein?

AS VIAS

Como se não bastasse os condutores inaptos, ainda temos que gramar com vias de circulação deploráveis. Pagamos uma taxa anual denominada “imposto de circulação” ( e a julgar pelo numero de viaturas, as receitas não serão tão más), que, normalmente, deveria servir para nos garantir qualquer segurança… pois é… garante-nos é uma conta ainda maior na oficina. O estado das vias é tão grotesco, que nos deviam pagar pela coragem que temos, de circular com nossos veículos tão suadamente adquiridos, sobre os buracos e valas intermináveis, que atribuem às mesmas, um carácter de “surradeira”. Quando não deparamos com buracos abertos para qualquer reparação, que assim permanecem até alguém cair lá para dentro….aí, vem a comunicação social a denunciar e, ops, o dito é fechado.
E, para acrescentar o quadro, dos buracos e valas deixados pela calcetagem feita à pressa, temos a Telecom e a Electra, a abrir valas de forma ininterrupta e, a fecha-los deixando o solo desprovido do material que lá antes existia, e uns sulcos tão grandes, que mesmo um peão, corre o sério risco de se ver de canela quebrada, ou nariz estraçalhado, se se der ao luxo de andar com os olhos fixos em outro lugar que não o chão em que pisa!
Nas nossas queridas vias, temos também comédia…. Sim senhor! As “passadeiras”! É francamente um atentado à inteligência de cada um! Ave-maria! Não lembra nem ao diabo, os locais “estrategicamente” escolhidos para as pintar! E, como falta civismo, estas listras que com prazo de validade limitadíssimo, se transformam facilmente, em PASSEADEIRAS! É …. A malta adora uma selvajaria. Adora estar sempre contra o correcto! Mas também porquê? Ninguém é punido por isso….
É só ter a coragem e falta de senso de rumar para a rotunda da Terra Branca, em qualquer hora do dia, que se consegue vislumbrar a nossa torre de babel: começando pelas prioridades na rotunda, às passadeiras bem a seguir às curvas, tudo se ajusta para um amolgamento na chapa. Sem contar com os palavrões vindos do exterior reclamando a falta de cooperação na selvajaria…. Sim, porque cumprir as regras virou atentado!
Os cruzamentos e rotundas, são naturalmente um imbróglio, em qualquer parte do mundo, e incivilizados também os há por todo o planeta, daí os mais desenvolvidos terem optado pelos semáforos nestes pontos. Mas nós, com o grande abastecimento de energia que temos, concerteza não teremos oportunidade para essa opção. Mas há outras! Lembro-me, quando pequena, de ver tanto na Guiné, como em Angola, uma armação mais alta, bem no meio dos cruzamentos, p.e., com um agente da polícia de trânsito, comandando o trânsito. Nós, como somos mais espertos, preferimos colocar um polícia, sem nenhum tipo de protecção à volta, algumas vezes, em períodos de maior confusão. Por acaso, há muito que não os vejo! No início até pensei que se havia optado por um sistema diferente… mas não…. Agora nem policia, nem nada mesmo! Cada um que se desenrasque da maneira que puder e, nesse salve-se quem puder, vamos registando a cada dia, mais acidentes, mais palavrões, e mais medo.
O cruzamento existente na Achada de Santo António, nas imediações da residência do representante das Nações Unidas e junto a dois cafés conhecidos, é um dos mais frequentados neste momento, por causa do desvio que se tem de fazer pela Prainha, para chegar à Achada. Bem, aí é um desastre total! Ninguém sabe de quem é a prioridade, e caso estejam táxis ao barulho, é vê-los a provocar os mais complicados sistemas de terrorismo de condução. É só permanecer uns dez minutos aí, para poder assistir a cenas dignas de um livro de Asterix.
Como já vamos para a Praia Digital, se nem mesmo ainda temos um Praia civilizada? Essa da Praia Digital, também tem muito que se lhe diga!

FRAGMENTOS NO CCF

Foto de : Omar Camilo

Dia 20 de Dezembro, é a data marcada para uma nova apresentação de FRAGMENTOS, de Ricardo de Deus, desta feita no Centro Cultural Francês, às 21H30.
Ricardo far-se-á acompanhar por Kizo, Stephan e Djinho Barbosa.
A vossa presença é, como sempre, indispensável!
Lá vos esperaremos.


dezembro 07, 2006

O DESESPERO DA PIEDADE



Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.

Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina

Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.

Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.

Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Quem em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...

Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias
Mas tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!

Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Quem lembram madalenas arrependidas pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.

Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tente mais piedade dos veterinários e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.

Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.

E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!

Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta — que o homem não presta, não presta, meu Deus!

Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.

Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.

Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.

Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.

Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.

Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.

Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.

Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.

Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.

Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!


Vinicius de Moraes

SER HUMANO É DOSE!


Me pego por vezes, muitas mesmo, a fazer análises aos comportamentos com que me deparo durante o dia, por pura vontade. Claro que não se poderão chamar de análises científicas, mas de qualquer forma, não deixam de ser análises, só que, “verificas”, e para uso doméstico.
Uma delas, prende-se com a necessidade que o comum dos mortais tem, de “assinar” a autoria das coisas bem feitas, dos actos sem erro, das ideias que pegam, sem no entanto, ter sequer participado em alguma fase da mesma.
Hoje, após uma pequena cena, que me fez recuar no tempo e fazer um apanhado de cenas idênticas, me deparei com uma centena delas. Cada uma mais incrível que a outra!

Anos atrás, ainda adolescente, atravessei aqueles momentos de raiva, comuns a todos, em que se torna irascível e com ganas de esganar o mundo! Num desses momentos, com uma raiva que me dilacerava o fígado, ao referir-me a uma certa personagem, alvo da minha ira (Deus me há de perdoar!) atribui-lhe um pseudónimo jocoso, digno do meu mais hilário diccionário. Não é que a coisa pegou? Aliás, neste nosso território, a maldade pega com uma facilidade!!!!!!! De repente, me apercebi que o pseudónimo havia agradado, e de que maneira!
O real nome se varrera da memória de muitos, passando a alcunha, a imperar de forma absoluta. Mas, a confirmação de minha análise, sobre a necessidade que descrevi acima, se deu, quando, num belo dia, presenciei uma “discussão” entre duas pessoas conhecidas e do circuito dos apegados, que reclamavam uma e outra, da autoria da piada, apresentando datas, ocasiões, etc. à minha frente! Não pude deixar de soltar aquela gargalhada que me sufocava! Perante tal despropósito, quatro-olhos se esbugalharam em direcção a mim, num sinal incrédulo de indagação. “Minha gente, disse eu, não percam tempo nessa disputa ridícula, nem esvaziem vosso arquivo de argumentos!” , “E pode-se saber porquê?” – retorquiu de imediato uma delas – “Porque senão vão as duas pagar direitos de autor e incorrer num crime de plágio”- respondi eu, brincando e ainda não refeita do absurdo – “Só falta dizeres que foste tu a autora, francamente!!” – “Porque não?”, brinquei, “trata-se de tamanha proeza assim?” – Nãooooo! Só que nunca reclamaste a autoria e eu, tenho a certeza absoluta do que digo, sou pouco de mentiras descabidas!”.
“Longe de mim, colocar tua pessoa em questão! Me desculpem realmente, minha intromissão!” – levantei-me, rindo por dentro e abandonei a mesa.
Mas como é que é possível, meu Deus, tanta ligeireza de espírito, me perguntei, reclamar autoria de algo tão patético, algo tão desgratificante! Eu até tenho vergonha e receio de me lembrar que fui eu quem deu início a tudo isto! Não é real!

Situações destas, já presenciei aos milhares, acreditam? Faz-se tarde e meu olho prega, mas depois, hei-de escrever uma outra que se passou há bem pouco tempo. Tenho de escrever, faz-me bem, nem que ninguém leia, eu me sinto mais leve, porque simplesmente, extravaso!