outubro 28, 2006

AINDA A PROPÓSITO DE FRAGMENTOS



Nas minhas leituras recentes, tornei a folhear um livro que adoro, por seus ensinamentos, e achei este texto, que tem a haver com o nome do novo trabalho do Ricardo, mas sobretudo, tem tudo a haver com a existência de todos nós. Quis partilha-lo convosco, pela sua riqueza e sua profundidade.
Deliciem-se!

“O viajante está sentado mo meio do mato, olhando
uma casa humilde à sua frente. Já esteve ali
antes, com alguns amigos, e na época tudo que
conseguiu notar foi a semelhança entre o estilo da
casa e o de um arquitecto galego – que viveu há
muitos anos, e jamais colocou os pés naquele local.
A casa fica perto de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e é
toda construída com cacos de vidro. Seu dono,
Gabriel, sonhou em 1899 com um anjo que lhe
dizia: “Constrói uma casa de cacos.” Gabriel
começou a coleccionar ladrilhos quebrados, pratos,
bibelôs e jarras partidas. “Tudo caquinho
transformado em beleza”, dizia Gabriel de seu
trabalho. Durante os primeiros quarenta anos, os
moradores locais afirmavam que era louco. Depois,
alguns turistas descobriram a casa, e começaram a
trazer os amigos; Gabriel virou génio. Mas a
novidade passou – e Gabriel voltou ao anonimato.
Mesmo assim, continuou construindo; aos 93 anos de
idade, colocou o ultimo caco de vidro. E morreu.

O viajante acende um cigarro; fuma em silêncio. Hoje
não está pensando na semelhança entre a casa de
Gabriel e a arquitectura de A. Gaudí. Olha os cacos
reflecte sobre sua própria existência. Também ela –
como a de qualquer outra pessoa – é feita de pedaços de
tudo o que se passou. Mas, em determinado momento,
estes fragmentos começam a tomar forma.
E o viajante relembra um pouco do seu passado,
vendo os papéis em seu colo. Ali estão pedaços de sua
vida: situações que viveu, trechos de livros que sempre
recorda, ensinamentos do seu mestre, historias dos
amigos, fabulas que algum dia lhe contaram. Ali
estão reflexões sobre o seu tempo, e sobre os sonhos de
sua geração.
Da mesma maneira que m homem sonhou com um
anjo e construiu a casa que está diante de seus olhos,
ele tenta ordenar estes papéis – para compreender
sua própria construção espiritual. Lembra-se de que,
quando criança, leu um livro de Malba Tahan
chamado Maktub! E pensa:
“Será que eu devia fazer o mesmo?”

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